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As Imagens da Minha Objectiva

As Imagens da Minha Objectiva

25 de Outubro, 2021

Paciência

Paulo Brites

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Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
A vida não para
Enquanto o tempo acelera
E pede pressa
Eu me recuso, faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara
Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência
O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência
Será que é tempo que lhe falta pra perceber?
Será que temos esse tempo pra perder?
E quem quer saber
A vida é tão rara, tão rara
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Mesmo quando o corpo pede um pouco mais de alma
Eu sei,
A vida não para.

Lenine e Dudu Falcão

 

Lenine - Paciência

 

 

24 de Outubro, 2021

Sol do Mendigo

Paulo Brites

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Olhai o vagabundo que nada tem
e leva o Sol na algibeira!
Quando a noite vem
pendura o Sol na beira dum valado
e dorme toda a noite à soalheira...

Pela manhã acorda tonto de luz.
Vai ao povoado e grita:
- Quem me roubou o Sol que vai tão alto?
E uns senhores muito sérios rosnam:
- Que grande bebedeira!

E só à noite se cala o pobre.
Atira-se para um lado,
dorme, dorme...

Manuel da Fonseca - Rosa dos Ventos, 1940
Poema inserido na parte “O vagabundo e outros motivos alentejanos”

 

Paco Bandeira - Sol do Mendigo

 

 

22 de Outubro, 2021

Sentir o Sol

Paulo Brites

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Conto a conta-gotas o tempo que passa
Vejo o sol lá fora a fazer-me pirraça
Já são quatro e meia está quase na hora
De fechar a loja para dar o fora

Saio para a rua
E no vento morno
Sinto o cheiro a pão
Saindo do forno
Oiço as sirenes
Motores e buzinas
Junto à paragem
Conversam as meninas

Sabe-me tão bem sentar na esplanada
A olhar o mundo sem pensar em nada
Espreguiçar um pouco, beber uma cola
Ver a garotada a jogar a bola

Homens ao telefone metem-se em sarilhos
Queixam-se as mulheres, das mulheres dos filhos
Só os velhos sentados à beira da estrada
Contrastam com os passos da gente apressada

Eu vejo a turva louca
Correndo perdida
Bebendo de um trago do copo da vida
Do meu lugarzinho
Onde o mundo abranda
Onde a pressa some
E a calma é que manda

Sabe-me tão bem sentar na esplanada
A olhar o mundo sem pensar em nada
Espreguiçar um pouco, beber uma cola
Ver a garotada a jogar à bola

 

Os Quatro e Meia - Sentir o Sol

 

 

19 de Outubro, 2021

O meu olhar é nítido como um girassol

Paulo Brites

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O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

Alberto Caeiro

 

 

17 de Outubro, 2021

Vertigem

Paulo Brites

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Haverá luz sugada no escuro?
Será calor o murmúrio do frio?
Terá amor o avesso da vida?
Haverá sonhos no fundo da dor?

Serão gritos os cais do silêncio?
Será coragem a tremura do medo?
Haverá chuva que lave este sangue
E deixe que a terra acalme devagar?

Esquece o medo, sai do escuro
Abre comportas, deixa gritar
Vai mais fundo, persegue o mar
Persegue o mar

Será só a vertigem do abismo?
Será mordaça a leveza do pó?
Haverá negro sugado na luz?
Haverá longe por dentro de nós?

Ando sobre uma aresta de gelo
Na vertigem de um trapézio de fogo
Mas canta-me um pouco na tempestade
Canta-me um pouco na tempestade
E deixa que a terra acalme devagar.

Mafalda Veiga

 

Mafalda Veiga - Vertigem

 

 

 

15 de Outubro, 2021

Roendo uma laranja na falésia

Paulo Brites

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Roendo uma laranja na falésia
Olhando o mundo azul à minha frente
Ouvindo um rouxinol na redondeza
No calmo improviso do poente

Em baixo fogos trémulos nas tendas
Ao largo as águas brilham como pratas
E a brisa vai contando velhas lendas
De portos e baías de piratas

Havia um pessegueiro na ilha
Plantado por um Vizir de Odemira
Que dizem que por amor se matou novo
Aqui, no lugar de Porto Côvo

A lua já desceu sobre esta paz
E reina sobre todo este luzeiro
Á volta toda a vida se compraz
Enquanto um sargo assa no brazeiro

Ao longe a cidadela de um navio
Acende-se no mar como um desejo
Por trás de mim o bafo do destino
Devolve-me à lembrança do Alentejo

Roendo uma laranja na falésia
Olhando à minha frente o azul escuro
Podia ser um peixe na maré
Nadando sem passado nem futuro

Rui Veloso

 

Rui Veloso - Porto Côvo

 

 

 

14 de Outubro, 2021

O mar serenou

Paulo Brites

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O pescador não tem medo
É segredo se volta ou se fica no fundo do mar
Ao ver a morena bonita sambando
Se explica que não vai pescar
Deixa o mar serenar

O mar serenou quando ela pisou na areia
Quem samba na beira do mar é sereia

A lua brilhava vaidosa
De si orgulhosa e prosa com que deus lhe deu
Ao ver a morena sambando
Foi se acabrunhando então adormeceu o sol apareceu

O mar serenou quando ela pisou na areia
Quem samba na beira do mar é sereia

Um frio danado que vinha
Do lado gelado que o povo até se intimidou
Morena aceitou o desafio Sambou
E o frio sentiu seu calor e o samba se esquentou

O mar serenou quando ela pisou na areia
Quem samba na beira do mar é sereia

A estrela que estava escondida
Sentiu-se atraída depois então apareceu
Mas ficou tão enternecida Indagou
A si mesma a estrela afinal será ela ou sou eu

O mar serenou quando ela pisou na areia
Quem samba na beira do mar é sereia

António Candeia Filho

 

Clara Nunes - O Mar Serenou

 

 

13 de Outubro, 2021

Vamos levantar voo

Paulo Brites

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Vamos levantar voo
Nesta noite sem rede
Minha chuva de outono
Minha terra com sede
Vamos ser reis sem trono
Um vai e vem de abandono
Uma paz sem retorno
Vamos levantar voo
Longe das trevas
Na voz das pedras
Vamos levantar voo

Vamos levantar voo
Nesta noite abraçados
Um trapézio no fogo
Num balanço arriscado
Vamos trocar o jogo
Entre pássaro e lobo
Entre rainha e bobo
Vamos levantar voo
Longe das trevas
Na voz das pedras
Vamos levantar voo

E sem destino
Cai o raio no granito
No divino
Se couber dentro de ti
E sem certeza
Temos pão e mesa posta
E isso basta
O teu chão já mora aqui
Não temos sono
Não temos dono
Vamos levantar voo

Vamos levantar voo
Dar o peito às balas
Essa dor eu perdoo
Tombar nas tuas asas
Vamos nascer de novo
Sem amarras nem porto
Sem as garras do estorvo
Vamos levantar voo
Longe das trevas
Na voz das pedras
Vamos levantar voo

Pedro Abrunhosa

 

Pedro Abrunhosa - Vamos levantar voo

 

 

11 de Outubro, 2021

Bíblia Sagrada versus Fernando Pessoa

Paulo Brites

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A Bíblia Sagrada diz: Quando vier o que é perfeito então o que é imperfeito desaparecerá (1 Corintios 13:10)

Fernando Pessoa disse: Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos se a tivéssemos. O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito.

Bem, eu estou com o Fernando Pessoa … sempre! E com o mestre que assentou estes azulejos, embora desconheça quem foi. No entanto, esta fotografia, é uma prova, dos muitos erros nos antigos livros.

 

10 de Outubro, 2021

Acendo um cigarro

Paulo Brites

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(...) acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando (...)

Álvaro de Campos

 

Sweet - Cigarettes After Sex

 

 

09 de Outubro, 2021

Fomos onde a vista alcança da nossa janela

Paulo Brites

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Pelo céu às cavalitas
Escondi nos teus caracóis
A estrela mais bonita, que eu já vi

Eu cresci com um encanto
De ser caçador de sóis
Eu já corri tanto, tanto para ti

Fui um príncipe encantado
Montado nos teus joelhos
Um eterno enamorado, a valer

Lancelot de algibeira
Mas segui os teus conselhos
Pra voltar à tua beira
E ser o que eu quiser

Os teus olhos foram esperança
Os meus olhos girassóis
Fomos onde a vista alcança da nossa janela

Já deixei de ser criança e tu dormes à lareira
Ainda sinto a minha estrela nos teus caracóis

Os teus olhos foram esperança
Os meus olhos girassóis
Fomos onde a vista alcança da nossa janela

Já deixei de ser criança e tu dormes à lareira
Ainda sinto a minha estrela nos teus caracóis

Joao Monge

 

Ala dos Namorados - Caçador de Sóis

 

 

05 de Outubro, 2021

NINGUÉM ESCREVE À ALICE (Triste retrato do interior do País ...)

Paulo Brites

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Era outono e a tristeza
Caía naqueles lados
Como se dobrassem sinos
Com um toque de finados

O mundo chamava Alice
E ela sem vontade de ir
Tão cedo para estar amarga
Mais ainda para cair

Talvez uma só palavra
Talvez uma só missiva
Pudesse mudar a agulha
Dum coração à deriva

Mas o carteiro passou
Nada deixou, nada disse
E o recado não chegou
Ninguém escreve à Alice

Até que veio o inverno
Do seu descontentamento
Que lhe enregelou a alma
Com um frio mudo e lento

E uma noite foi para a rua
Com roupas de ritual
Ao longe brilhavam néons
Foi notícia no jornal

Talvez uma só palavra
Talvez um simples recado
Pudesse mudar a agulha
Dum coração desvairado

Mas o carteiro passou
Nada deixou, nada disse
E o recado não chegou
Ninguém escreve à Alice.


Rui Veloso – Ninguém escreve à Alice

 

 

03 de Outubro, 2021

Leva-me pra um sítio melhor

Paulo Brites

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Beijou-me na noite em rasgos de jasmim
Pediu-me pra dançar e eu disse que sim
Era tarde de tão tarde quase a amanhecer
Aperta-te em mim tens tanto pra aprender
Nem paredes me prendiam nem no Sol ardente
Deixei-me então levar contigo o mundo é tão diferente

Estrelas não faltaram ondas não havia
Eu estava quase entre elas e a Terra tremia
Do peito fiz um porto neste chão de areia
Com o mar por testemunha, o céu de plateia
Nem as mãos me seguravam nem era a aventura
Eram beijos disfarçados de guerra feita ternura

E eu pedi-lhe não procures quem já te encontrou
E ela disse não te percas de quem te salvou

Leva-me pra um sítio melhor
Que a noite se há-de compor
Leva-me pra um sítio melhor
Os anjos a nosso favor

Quebramos regras de ouro mesmo sem saber
Bebemos mil venenos até à boca arder
Roubamos ao futuro pra dar ao presente
Ela contou as minhas dores como se fosse vidente
E dormimos essa noite no calor do trigo
Uma presa liberdade uma luta sem inimigo

Fumei da sua boca beijos de aleluia
Rezei no seu regaço que por mim se erguia
Ela disse este é o chão onde te vou perder
Eu entrei pelo portão sem nada mais querer
E fomos céu do mundo e a paz do trovão
Vestiu-se como Vénus levou-me à solidão

Eu pedi-lhe não procures quem já te encontrou
Ela disse não te percas de quem te salvou

 

Pedro Abrunhosa - Leva-me para um sitio melhor

 

 

02 de Outubro, 2021

Ouve-se o mar

Paulo Brites

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Agora
Que a chuva cai devagar
Lá fora
E a noite vem devorar
O sol
E tudo fica em silêncio
Na rua
E ao fundo
Ouve-se o mar

Agora
Talvez te possas perder
Devora
O que a saudade te der
A vida
Leva pra longe pedaços
Do tempo
Deixa o sabor de um regaço
E ao fundo
Ouve-se o mar

Agora
Que a água inunda os teus olhos
E o mundo
Já não te deixa parar
No escuro
Voltam as histórias perdidas
Na alma
Onde não podes tocar
E ao fundo
Ouve-se o mar

 

Mafalda Veiga - Ouve-se o mar

 

 

01 de Outubro, 2021

Tatuagens

Paulo Brites

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Em cada gesto perdido
Tu és igual a mim
Em cada ferida que sara
Escondida do mundo
Eu sou igual a ti

Fazes pintura de guerra
Que eu não sei apagar
Pintas o sol da cor da terra
E a lua da cor do mar

Em cada grito da alma
Eu sou igual a ti
De cada vez que um olhar
Te alucina e te prende
Tu és igual a mim

Fazes pinturas de sonhos
Pintas o sol na minha mão
E és mistura de vento e lama
Entre os luares perdidos no chão

Em cada noite sem rumo
Tu és igual a mim
De cada vez que procuro
Preciso um abrigo
Eu sou igual a ti

Faço pinturas de guerra
Que eu não sei apagar
E pinto a lua da cor da terra
E o sol da cor do mar

Em cada grito afundado
Eu sou igual a ti
De cada vez que a tremura
Desata o desejo
Tu és igual a mim

Faço pinturas de sonhos
E pinto a lua na tua mão
Misturo o vento e a lama
Piso os luares perdidos no chão

Mafalda Veiga

 

Mafalda Veiga & João Pedro Pais - Tatuagens